terça-feira, 13 de maio de 2008

Pensadores modernos V

Órfão de pai com apenas 1 ano de idade, Philip Yancey viveu toda a infância e início da adolescência em Atlanta, onde frequentou uma igreja fundamentalista e conheceu de perto o ambiente permeado de racismo, comum do sul dos Estados Unidos na década de 60, experiência detalhada em seu livro "Alma sobrevivente - Sou Cristão apesar da igreja".
Ele formou-se com louvor no Columbia Bible College e obteve dois diplomas de mestrado: um em Comunicação na Escola de Pós-graduação Wheaton College e outro em Língua Inglesa na Universidade de Chicago, para onde mudou-se em 1971. Ali também trabalhou colaborando com diversas publicações.
Desde 1992, vive com sua esposa nas montanhas do Colorado, onde continua a escrever. Em 2007 sofreu um grave acidente automobilístico, recuperando-se, porém, completamente, a ponto de conseguir completar em agosto do mesmo ano de 2007 seu objetivo pessoal de longa data: escalar todos os 54 picos com mais de 14 mil pés (4250m) do Colorado. Seus livros venderam mais de 14 milhões de cópias, desde a sua estréia em 1977 e são lidos em 25 idiomas pelo mundo todo, fazendo dele um dos mais vendidos autores cristãos. Premiado duas vezes com o "Melhor livro do ano" pela ECPA, além de outros prêmios, Yancey colabora com a revista Christianity Today, como editor associado.
Por Philip Yancey
Um mundo sem graça
Fui criado em uma igreja que estabelecia limites distintos entre "a dispensação da Lei" e "a dispensação da Graça". Embora ignorássemos muitas proibições do AT, tínhamos nossos próprios mandamentos prediletos rivalizando com os dos judeus ortodoxos. Lá no alto vinham o fumo e a bebida (contudo, como estávamos no Sul, com a sua economia dependente do tabaco, algumas permissões eram feitas para o fumo). O cinema vinha logo abaixo desses vícios, com muitos membros de igreja recusando-se até a assistir a The Sound of Music (O Som da música). O rock, naquela época, na infância, era igualmente considerado como uma abominação, com toda probalidade demoníaca em sua origem.
Outras proibições - usar maquiagem e jóias, ler o jornal dominical, assistir ou participar de esportes aos domingos, homens e mulheres nadando juntos (curiosamente intitulado como "banho misto"), comprimento das saias das moças, comprimento dos cabelos para os rapazes - eram obedecidos ou não, dependendo do nível espiritual da pessoa. Cresci com a forte impressão de que uma pessoa se tornava espiritual obedecendo a essas regras sem significado. Considerando entre as dispensações da Lei e da Graça.
Minhas visitas a outras igrejas me conveceram de que essa escada para atingir a espiritualidade é quase universal. Os católicos, os menonitas, as Igrejas de Cristo, os luteranos e os batistas do sul, todos têm suas próprias agendas de usos e costumes do legalismo. Você obtém a aprovação da igreja, e presumivelmente de Deus, segundo o padrão prescrito.
Mais tarde, quando comecei a escrever a respeito do problema da dor, encontrei outra forma de não-graça. Alguns leitores levantaram objeções à minha simpatia para com aqueles que sofrem. As pessoas sofrem porque merecem, elas me diziam. Deus as está punindo. Tenho muitas dessas cartas em meu arquivo, declarações modernas dos "provérbios de cinza" dos amigos de Jó.
No seu livro Guilt and Grace (Culpa e Graça), o médico suíço Paul Tournier, um homem de profunda fé pessoal, admite: "Não consigo estudar com você este sério problema de culpa sem levantar o fato óbvio e trágico de que a religião - a minha própria como também a de todos os crentes - pode esmagar em vez de libertar".
Uma mulher divorciada contou-me que estva no santuário de sua igreja com sua filha de 15 anos de idade quando a esposa do pastor se aproximou. "Ouvi dizer que você e seu marido estão se divorciando. O que eu não consigo entender é, se vocês amam Jesus, por que estão fazendo isso". A esposa do pastor nunca havia conversado com a minha amiga antes, e sua dura repreensão na presença da filha deixou-a perplexa. "A dor estava no fato de que eu e meu marido amávamos Jesus de coração, mas o casamento havia-se quebrado além do conserto. Se ela apenas tivesse me abraçado e dito: "Eu sinto muito...".
O famoso místico S.João da Cruz aconselhava os crentes a mortificar toda alegria e esperança, voltando-se "não para o que mais agrada, mas para o que mais desagrada", e a "desprezar-se, e a desejar que os outros o desprezem". S.Bernardo costumava cobrir os olhos para não ver a beleza dos lagos suíços.
Atualmente, o legalismo mudou de foco. Em uma cultura totalmente secular, a igreja está mais inclinada a demonstrar falta de graça por meio de um espírito de superioridade moral ou uma atitude violenta para com os oponentes na "guerra cultural".
A graça não veio a mim inicialmente nas formas ou nas palavras de fé. Fui criado em uma igreja que, com frequência, utilizava a palavra, mas com significado diferente. A graça, como muitos termos religiosos, ficou desprovido de significado, de modo que eu já não podia mais confiar nela.
Primeiro experimentei a graça por meio da música. Na faculdade cristã que frequentava, eu era considerado um desviado. As pessoas oravam por mim publicamente e me perguntavam se eu não precisava de exorcismo. Na capela as escuras, a não ser por uma luzinha para ler a música, eu ficava sentado mais ou menos uma hora todas as noites para tocar as sonatas de Beethoven, os prelúdios de Chopin e os improvisos de Shubert. Minha mente estava confusa, meu corpo estava confuso, o mundo estava confuso - mas ali eu sentia um mundo oculto de beleza, de graça e de maravilhosa luz como uma nuvem e surpreendente como a asa de uma borboleta.
Agraça está em toda parte, como lentes que não percebemos porque estamos olhando através delas. Finalmente Deus me deu olhos para perceber a graça que me cercava. Entendi que a imagem de Deus com a qual fui criado era lamentavelmente incompleta. Vim a conhecer um Deus que é, nas palavras do salmista, "um Deus piedoso e benigno, tardio em irar-se, e de grande amor".
A graça é de graça para pessoas que não merecem, e eu sou uma dessas pessoas. Lembro-me do que eu era - ressentiso, seriamente marcado pela ira, um simples elo endurecido em uma longa cadeia de não-graças aprendidas na família e na igreja. Agora estou tentando de minha própria e despretensiosa maneira tocar a melodia da graça.
Eu faço porque sei, com mais certeza do que qualquer outra coisa, que qualquer sentimento de cura, de perdão ou de bondade que eu tenha tido vem apenas da graça de Deus. Espero, sinceramente, que a igreja se torne uma cultura nutridora dessa graça.
Próximo estudo: Porque perdoar?

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