sexta-feira, 3 de julho de 2009

O paradoxo escatológico de Bultmann e Moltmann

Por Leandro Louzada


Uma das abordagens que atraiu grande atenção, na década de 1950 e início dos anos 1960, é atribuída a Rudolf Bultmann, estudioso do NT. Examinaremos a seguir sua posição:

A controvertida proposta de “demitologização” defendida por Bultmann, mostrou-se particularmente significativa no que tange às convicções relativas ao fim da história. Bultmann alegava que essas crenças eram apenas “mitos” as quais necessitavam ser interpretadas existencialmente. O Novo Testamento relata diversas “histórias” que dizem respeito a tempos e lugares remotos e inacessíveis (como “no princípio” ou “no céu”), as quais envolviam a atuação de agentes a fatos sobrenaturais. Bultmann afirma que tais histórias possuem, na verdade, um significado existencial subjacente que pode ser captado e apropriado mediante um processo de interpretação adequado.

Talvez o mais relevante desses mitos seja aquele de caráter escatológico, o qual defende o iminente fim do mundo, mediante uma intervenção direta de Deus que levaria ao juízo final e posteriormente recompensa ou punição. Esse conceito possui uma importância central para nossa narrativa, à medida que permite que Bultmann trate da demonstração feita por Schweitzer, acerca do “completo e total condicionamento escatológico” do Novo Testamento, mediante um amplo processo de demitologização. Para Bultmann, esse “mito” e outros similares poderiam ser reinterpretados existencialmente.

Assim, no caso do mito escatológico, o reconhecimento de que a história não havia, de fato, chegado ao fim não necessariamente invalidava o mito: se interpretado existencialmente, o “mito” dizia respeito ao aqui e agora da existência humana – ao fato de que os seres humanos devem encarar a realidade de sua própria morte e que, assim, são forçados a tomar decisões existenciais. O “juízo final” em questão não envolve algum tipo de julgamento divino futuro, que ocorrerá com o fim do mundo, mas sim um julgamento de nós mesmos atual, que se fundamenta em nosso conhecimento sobre o que Deus fez em Cristo.

Bultmann defende que esse tipo de demitologização é precisamente o que podemos encontrar no quarto evangelho, escrito ao final do século I, quando as primeiras expectativas escatológicas da comunidade cristã primitiva se dissipavam. O “juízo final” é interpretado por Bultmann como uma referência ao momento de crise existencial, quando seres humanos são confrontados com o querigma de Deus para eles. A “escatologia realizada” do quarto evangelho surge do fato de que o escritor do evangelho havia percebido que a parusia não é um evento futuro, mas sim algo que já aconteceu, no confronto entre o cristão e o querigma.

Assim Bultmann considera que o quarto evangelho faz reinterpretação parcial do mito escatológico, em termos de seu significado para a existência humana.

Cristo não é um fenômeno passado, mas, antes o Verbo sempre presente de Deus que não expressa uma verdade genérica, mas sim uma proclamação de Deus dirigida a cada um de nós, que exige de nossa parte uma decisão existencial. Para Bultmann, o processo escatológico tornou-se um evento integrante da história, e torna-se mais uma vez um evento integrante da proclamação cristã contemporânea.

Tais idéias, porém, não satisfizeram muitos dos críticos, que sentiram que Bultmann havia abandonado demasiadamente as características centrais da doutrina da esperança defendida pelo cristianismo. Diziam, por exemplo, que a noção de escatologia de Bultmann era algo puramente individualista, ao passo que era evidente que a noção bíblica tinha uma dimensão comunitária. Uma outra abordagem começou a surgir ao final da década de 1960, que muitos consideravam mais completa do que a truncada versão da esperança apresentada por Bultmann.

Teologia da esperança, de Jürgen Moltmann, causou um grande impacto, quando publicado em 1964, na Alemanha. Nessa obra, Moltmann inspira-se nas idéias de Ernst Bloch, registradas em sua notável obra, filosofia da esperança. A análise neomarxista que Bloch faz da experiência humana baseia-se na crença de que toda a cultura humana é movida por uma esperança apaixonada pelo futuro que transcende toda a alienação do presente.

Bloch via-se como alguém que permanecia coerente com a noção bíblica de uma esperança apocalíptica revolucionaria. Bultmann procurava tornar a escatologia aceitável mediante sua demitologização, ao passo que Bloch a defendia, ao apontar tanto para a profunda crítica social quanto para a visão profética de transformação da sociedade que acompanhava as idéias escatológicas em seus contextos bíblicos originários. Na década de 1960, tanto a Europa quanto os Estados Unidos assistiram ao surgimento de uma explosão de otimismo em relação ao futuro da humanidade. O futuro parecia cheio de esperança.

Contra esse cenário de uma visão secular da esperança, via de regra fundamentado em uma ideologia marxista, Moltmann defendia a necessidade de um resgate da dimensão comunitária do conceito cristão de esperança, como um fator central na vida e no pensamento do cristão e da igreja. A escatologia precisava ser resgatada dessa posição, em que era considerada como “um pequeno capítulo inofensivo no final de uma dogmática cristã” (Karl Barth), para receber lugar de honra. De acordo com Moltmann, a escatologia, possui uma importância central para o pensamento cristão. A atitude de Moltmann, orientada em direção ao futuro, definida e informada pelas promessas de Deus, é sintetizada da seguinte forma: “a esperança em busca da compreensão – espero para que possa compreender. Cada uma dessas frases representa uma alteração significativa da perspectiva de Anselmo de Cantuária, que destacou a importância da fé, sintetizada pela seguinte expressão: “a fé em busca da compreensão” e “creio para que possa compreender”). Para Moltmann, a teologia cristã proporciona-nos uma visão da esperança por intermédio da obra transformadora de Deus, que permanece em profundo contraste com as idéias seculares de esperança e transformação social:

“Se é a esperança que sustenta e mantém a fé e faz com que ela siga em frente, se é a esperança que atrai o cristão para uma vida de amor, então também será a esperança aquilo que constitui a força motriz do pensamento sobre a fé, de seu conhecimento e reflexões sobre a natureza humana, a história e a sociedade. A fé tem esperança para que possa saber aquilo em que acredita. Assim, todo seu conhecimento será uma espécie de antecipação, um conhecimento fragmentado que constitui um prelúdio do futuro prometido e como tal, é devotada à esperança... A esperança cristã volta-se na direção de um novum ultimum, de uma nova criação de todas as coisas pelo Deus da ressurreição de Jesus Cristo. Assim, inaugura uma perspectiva futura que abrange todas as coisas, inclusive a morte, e nele também pode e deve abranger nossas limitadas esperanças de uma renovação da vida incentivando-as, relativizando-as e dando-lhes uma direção”.

Para Moltmann, a “esperança” em questão não é individual, existencial nem particular. É a esperança pública, comum a toda criação, à medida que ela espera pela obra restauradora do “Deus da esperança”. Portanto, é imperativo que o cristianismo resgate sua escatologia e perceba sua enorme importância para o mundo que anseia por esperança e que busca essa esperança fora da tradição cristã. Somente por intermédio desse resgate de sua própria teologia da esperança, a igreja pode esperar conseguir ser ouvida em uma cultura secular.

Bultmann acreditava em uma escatologia realizada, que priorizava o individuo, não esperava um mundo novo, mas ao contrário, todas as coisas aconteceriam no agora. Moltmann resgata a esperança de um mundo novo, além desta vida, valorizando a esfera comunitária, mostrando que a parusia ainda está para acontecer.

Bultmann parece que se esqueceu do texto escrito por Paulo, “Se espera-mos somente nesta vida, somos os mais miseráveis de todos”

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