Por Leandro Louzada
Durante a maior parte da sua história, as igrejas evangélicas no Brasil foram numericamente pouco significativas, com reflexos imediatos sobre seu lugar cultural e político no país. Durante esse período, praticamente incapaz de afetar significativamente a vida pública, a posição mais típica das igrejas era a de ser uma espécie de contra-cultura moral, de "consciência" da população. Uma série de negações caracterizava o ethos evangélico: não beber, não fumar, não adulterar, não divorciar, etc.
Positivamente, a sociedade, em geral, reconhecia em evangélicos exemplo de honestidade, integridade pessoal, esforço profissional, pessoas confiáveis. Hoje em dia, mesmo com o contingente numérico bastante significativo (cerca de 20% da população), e com o crescimento de formas neo-liberais de experiência e instituição cristãs, a ética de evangélicos continua sendo primariamente uma questão de regras de conduta e de restrição de comportamento. Pesquisas recentes indicam que a pregação ética na IURD, por exemplo, está centrada na defesa da família nuclear, do trabalho, da honestidade e da submissão da esposa ao marido.
Ao mesmo tempo em que cresce a consciência social e política de evangélicos, a atitude das novas gerações evangélicas, com relação à ética pessoal, tem sido a de um certo relaxamento de costumes em relação ao período anterior (mas não a recusa de uma ética de deveres), e um crescimento do consumismo individualista e da indiferença hedonista.
Desde sua chegada ao Brasil, as igrejas evangélicas praticavam a evangelização e algum tipo de obra social. Primeiramente, dedicaram-se a abrir escolas e hospitais e, ao longo da história, passaram a enfatizar a prática da assistência social, com ações de diversos tipos (creches, orfanatos, asilos, etc.), mas considerando essas ações como parte da missão, e não como expressão da ética evangélica propriamente dita. Aqui e ali, porém, formas mais ousadas de ética social e política surgiam – a mais famosa delas está vinculada à famosa Conferência do Nordeste, nos anos 60, cujo tema foi “Cristo e o processo revolucionário brasileiro”.
A partir dos anos 70, principalmente, ONGs, movimentos não-institucionais e entidades ecumênicas passam a enfatizar a necessidade de uma ética social e política capaz de superar a mera participação formal no processo eleitoral democrático. Em geral, os evangélicos não têm um projeto para o Brasil - como também não o tem a população brasileira como um todo, nem os detentores do poder estatal de plantão. Por um lado, isso nos ajuda a diluir o modelo de cristandade.
Se pensamos em uma ética cristã organicamente vinculada à teologia-espiritualidade-missão cristãs, em seguimento de Jesus Cristo e energizada pelo agir do Espírito, precisamos pensá-la a partir de uma teologia da liberdade. Podemos construir essa teologia da liberdade a partir dos escritos paulinos, especialmente da carta aos gálatas. A noção paulina da liberdade pressupõe que a humanidade esteja escravizada.
Entretanto, esses poderes escravizadores não são capazes de eliminar a nossa “humanidade”, uma vez que fomos criados à imagem e semelhança de Deus.
Dessa maneira, a condição humana de escravidão exigiu que o Libertador vivesse uma vida humana plenamente entregue ao Pai, de forma a revelar não só o amor do Pai, como também a plena humanidade desejada pelo Criador. Assim, a liberdade é conferida à humanidade mediante a integralidade da vida, morte e ressurreição de Cristo.
Conceber a ética cristã como ética de liberdade nos ajuda a reconfigurar unidade entre teologia, espiritualidade e ética. O vínculo entre ética da liberdade e teologia – é mediante a reflexão teológica, em especial, que uma
comunidade cristã define as razões e motivos para tomar decisões e agir. Por outro lado, o vínculo entre ética da liberdade e espiritualidade se encontra na junção entre liberdade e amor. Viver a liberdade cristã em amor em sociedades democráticas se expressa, não só mediante atos pessoais de bondade ao próximo, mas também (e especialmente) através de atos comunitários de bondade com vistas à construção de uma sociedade melhor – uma sociedade que encarne historicamente os sinais do Reino de Deus que permanentemente se aproxima na ação do povo que segue a Jesus Cristo, na força do Espírito.
Por fim, é importante indicar a relação entre a ética da liberdade em amor e a construção da identidade cristã. A identidade do povo de Deus não pode ser construída adequadamente se, de novo, separarmos teologia, espiritualidade e ética. O ponto de partida da experiência do tempo na fé cristã é a tensão escatológica do já / ainda-não, é a futuridade de Deus que invadiu o presente (passado para nós) da história e o preencheu de um novo sentido e de uma nova dinâmica. A identidade cristã não se configura, nem a partir do passado,nem a partir do presente – mas do futuro que se fez história em Jesus.
“quando Cristo, que é a vossa vida, se manifestar, sereis manifestos com ele em glória”, o que torna evidente que o futuro do Reino de Deus é que determina o presente e a identidade cristã – e, conseqüentemente, a ética da liberdade em amor. Como ética vivida na tensão escatológica, a ética evangélica não pode se reduzir a questão de normas, regras de conduta, ou mesmo princípios e valores.
É uma ética do seguimento de Jesus e se insere no mistério do Cristo que transforma todas as coisas – ética da liberdade em amor é ética criativa na busca da semelhança com Cristo na vida pessoal e eclesial.
A igreja Brasileira precisa urgentemente voltar-se para o caminho do Reino de Deus. Deixar de lado as normas institucionalizadas, coisas fúteis e sem valor para Deus e preocupar-se com a transformação da nossa sociedade. O evangelho de Cristo não está preso em regras, mas em amor. A igreja deve envolver-se com a política de proteção básica, lutando pela ressocialização das pessoas, indo ao encontro dos marginalizados.
Nossa luta deve ser constante pela transformação da sociedade, o evangelho todo para o homem todo.
Resenha do artigo "Evangélicos e ética no Brasil", publicado pelo doutor em teologia Julio Zabatiero.
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