Por Leandro Louzada
A reforma protestante foi um movimento sócio-histórico que conjugou a renovação da fé, a renovação da teologia e a renovação da ética social. A renovação da fé se caracterizou pelo caráter não mediado e pessoal da relação da pessoa com Deus, que conduz a um compromisso integral e integrador.
Várias denominações protestantes se esclerosaram em suas formas institucionais e doutrinárias, abandonaram o seu caráter de movimento renovador, e se tornaram por demais parecidas com o modelo de instituição eclesiástica contra o qual os reformadores se insurgiram. Essa ambigüidade não nos deveria surpreender, pois as comunidades cristãs são formadas por pessoas “salvas, mas ainda assim, totalmente depravadas” - conforme uma descrição calvinista.
Como um movimento de renovação cultural, contemporâneo da renascença, o
protestantismo foi um dos fatores fundantes da Modernidade e sua relação com ela sempre foi ambígua. Por um lado, abraçou-a calorosamente, por sua afinidade com o caráter libertário da modernidade nascente.
De várias maneiras, o protestantismo se transportou da valorização da
individualidade para a adoção do individualismo. A indispensável adoção de uma forma não-mediada de relação pessoal com Deus foi, mediante diferentes processos sócio-históricos, sendo superada por uma forma individualista de fé em Deus. A reforma concretizou um afastamento do modelo eclesiástico de Cristandade – a união entre Igreja e Estado. Ao longo da história do Ocidente, entretanto, várias igrejas protestantes desenvolveram formas peculiares de Cristandade.
O terceiro fator fragmentador da reforma protestante foi a aliança com o racionalismo. A subjugação ao racionalismo pode ser vista tanto na vivência litúrgica e pessoal da fé, como na articulação teológica dessa vivência. o, então, podemos participar mais efetivamente do processo de permanente reforma do protestantismo brasileiro? Uma das vias necessárias para que o protestantismo brasileiro reafirme a sua fidelidade à Reforma é a renovação da teologia. Duas reações, em particular, considero radicalmente insuficientes. A primeira delas é a reação “desencantada”, para aproveitar uma noção weberiana.
Uma teologia desencantada valoriza prioritariamente o caráter científico-acadêmico da teologia, e subestima suas outras fontes, dimensões e ambientes. A segunda, em contraste, é a “super-naturalista” que, nas suas diversas formas, declara a supremacia da Escritura, mas pratica uma interpretação tão racionalista da mesma quanto o “liberalismo” a que jura combater. Essas duas formas radicais são igualmente incapazes de reunificar fé, teologia e ética.
Teologia é uma atividade “espiritual”, ou seja, faz parte da vocação divina ao seu povo e, dentro do povo, a algumas pessoas em especial, dotadas pelo Espírito do ministério (serviço) da reflexão teológica.
Articular a teologia ao redor do eixo do discernimento, enquanto teologia prática, nos convida a refletir sobre o sujeito e o método da reflexão teológica. Na tradição moderna, o sujeito da teologia é o sujeito cartesiano – indivíduo centrado, reflexivo, inquiridor, que busca o fundamento último da verdade e, por isso, duvida metodologicamente. O lugar primeiro da teologia deverá ser a igreja em missão, não só como destinatária da obra teológica, mas como sujeito da teologia enquanto age, com discernimento, no mundo.Uma teologia elaborada dialogicamente, como expressão do discernimento cristão, será, enfim, teologia pública. A teologia cristã, discernidora e dialógica, enquanto reflexão pública, é caracterizada, primeiramente, por sua contextualidade.
A teologia cristã, enquanto reflexão pública, é caracterizada, a seguir, por sua eticidade. O ético da teologia é idêntico à espiritualidade, à missão; é o próprio projeto da vida de fé – a vida que se projeta de dentro de si mesma para o mundo.
A teologia cristã, enquanto reflexão pública, é caracterizada, enfim, por sua criticidade. Eticidade e criticidade são dois lados da mesma moeda. Reforma, teologia e ética social são termos indissociáveis. Enfim, é mediante a criticidade que a teologia se reafirma como prática conceitual do discernimento. Uma das palavras gregas para o ato de discernir é também usada para significar “julgar”, “criticar”.
São momentos indissolúveis de um mesmo movimento – o movimento do Espírito de Deus que faz novas todas as coisas. somos convocados a agirmos de modo fiel à nossa história como igrejas da reforma. Somos convocados a demonstrar em nossa prática o sentido do “principio protestante”. Somos convocados para ser o que sempre fomos: “ecclesia reformata et semper reformanda”.
Resenha do artigo Reforma, Teologia e ética social escrito pelo doutor em teologia Júlio Zabatiero.
Nenhum comentário:
Postar um comentário