Por Leandro Louzada
Vale bem recordar uma afirmação de Paulo Suess. Já em 1981, o conhecido missiólogo tinha consciência dos limites de certas concepções missiológicas então veiculadas pela Teologia da Libertação e que, segundo ele, corriam o risco nada irreal de considerar a pastoral dos povos indígenas no Brasil como sendo "uma questão insignificante, um caso perdido e até romântico".
A situação destes povos e/ou sub-grupos étnico-culturais tornou-se mais difícil nos últimos anos, o neoliberalismo os relegou definitivamente a uma posição de exclusão e marginalidade reais. Deram-se, no entanto, na sociedade e nas Igrejas, passos significativos em seu processo de conscientização e de organização. Até em termos demográficos, no caso do Brasil, cresceu o número de indígenas, invertendo uma tendência dramática que apontava para seu desaparecimento até biológico.
A presente exposição se fará desde ao ótica do macro-ecumenismo um conceito – ou, melhor, um movimento que tem como duas fontes de origem: de um lado, o despertar das culturas e religiões dos povos latino-americanos e, de outro, o clima de diálogo inter-religioso que está se instalando no continente.
O vocábulo "macroecumenismo" não me parece muito feliz. Tem sido questionado desde sua primeira origem, mas continua sendo usado na pastoral e na teologia. A teologia elaborada a partir da cultura e da religiosidade afro-indígena o preserva e usa com desembaraço. Não é minha intenção discutir aqui a propriedade do nome e sim seu conteúdo e sentido. Tampouco é minha intenção defendê-lo.
Em seu sentido mais tradicional o termo ecumenismo é entendido "em seu sentido eclesiástico mais usual …. como referente à unidade das igrejas confessionais cristãs que se dividiram, ou então, aos esforços em prol da construção desta unidade. É nessa última direção que vai o sentido hoje dado na América Latina à palavra "macroecumenismo". A expressão vai muito além, portanto, do que se entende usualmente por "ecumenismo" e mesmo por "diálogo inter-religioso". Sabemos que, em especial na segunda metade do século XX, as religiões cristãs, apesar da constante ameaça dos fundamentalismos, perceberam a necessidade de um diálogo de novo tipo entre elas e as grandes religiões do mundo.
O macroecumenismo latino-americano tem uma história. Decorre de um longo processo tanto teológico quanto sócio-religioso. Até o surgimento da Teologia da Libertação sua história se processava na penumbra, mas existiu sempre. Em ambientes populares, deram-se sempre intensos processos de troca. As respostas coletivas eram influenciadas, à primeira vista, quase exclusivamente por correntes de procedência européia e "civilizada". Um pouco como acontece neste início de século. Pode-se pensar que as populações da América Latina
funcionem como uma esponja que suga sem critérios próprios tudo o que lhes vem de fora.
A chamada inculturação está entre os temas teológicos de maior interesse na presente situação pastoral e missionária da América Latina. Na Assembléia de Santo Domingo (1992) ela foi assumida como a exigência mais fundamental da nova evangelização proposta pelo Papa.
O termo, aplicado à realidade da América Latina, deu nova vida à uma fecunda analogia teológica que considera a encarnação como paradigma e meta da presença da Igreja no mundo.
O conceito -- e, mais ainda, a prática da inculturação -- colaborou muito para que a(s) Igreja(s) vissem com maior lucidez teológica a realidade pluricultural e pluriétnica do continente. A aceitação da pluriculturalidade, por sua vez, levou a Igreja a descobrir que são muitas as religiões existentes na América Latina. Ao entrar em diálogo com este pluriforme mundo religioso ela teve que reconhecer que "o diálogo com as religiões indígenas, semelhante ao diálogo ecumênico e inter-religioso, tem estatuto próprio e não representa a primeira fase de uma "conversão" ou incorporação inevitável.
O diálogo com as religiões indígenas é estabelecido a partir da gratuidade do Evangelho, portanto, há de ser sem limites e sem cálculos. Falar de uma inculturação libertadora no Brasil neo-liberal é falar de uma utopia, ainda distante. Mas, é este o horizonte escatológico que o Espírito aponta claramente à consciência da Igreja, falando através das lutas e anseios de tantos e tão diversos povos.
No atual cenário mundial e continental fala-se muito em diálogo. No entanto, são muitos os indícios da existência de um clima mundial mais de indiferença e exclusão do que de harmonia e entendimento entre os povos e culturas. Em várias partes se sucedem as tentativas
de afirmação da supremacia dos mais fortes. São várias as formas de violência nas relações entre os povos, as economias e as culturas. A globalização dos mercados favoreceu este processo. Por mais plural que possa parecer, a realidade é ditada de cima para baixo e de fora para dentro; há sempre alguém buscando impor seus valores e padrões aos demais, segundo interesses nem sempre confessáveis.
Na década de 90 cresceu notavelmente na América Latina a consciência de que o diálogo inter-religioso não era vital apenas para as Igrejas da Ásia que convivem minoritariamente com algumas das tradições religiosas mais antigas e venerandas.
Foram missiólogos especializados em questões indígenas os que por primeiro perceberam a centralidade do diálogo inter-religioso para o futuro da América Latina.
O que entender por macroecumenismo? Há os que o vêem como uma espécie de extensão do ecumenismo praticado entre as Igrejas cristãs. O elemento acrescentado pelo Macroecumenismo seria o número de cadeiras dispostas em torno à mesa da partilha. Há, ao contrário, os que o conceituam como algo historicamente inédito. Nos muitos seminários, congressos e encontros de cristãos negros realizados América Latina a fora, eles/elas próprios reaprenderam que suas culturas são entretecidas de danças, cantos,
banhos, perfumes, comidas, abraços e toques. Que eles/elas rezam com o corpo todo. Para eles/elas a força de Deus é feminina e masculina; passa pela natureza, pela água, pelo ar. Alimenta-se do sol, do ritmo, do tempo, da terra, do fogo e da água, é irmã das plantas, das nuvens e montanhas. Guarda em si a memória dos ancestrais e de todo um passado no qual o sagrado esteve sempre intrinsecamente presente. É por essas características que o macroecumenismo põe as comunidades cristãs e as Igrejas ante uma realidade distinta daquela que propiciou o surgimento do ecumenismo propriamente
dito. Do diálogo que ele propicia surge uma visão não preconceituosa do outro.
"O ecumenismo atual se parece com uma casa (oikos) em que há quartos fechados: alguns ficam na sala e outros ficam sempre na cozinha ou no quintal. Ele se parece com uma 'Casa
Grande", com uma "Hacienda" que (como se sabe) sempre supõe ao lado uma "senzala". Será que não é possível pensar uma casa para todos que seja parecida com um "quilombo", um "terreiro" ou uma "maloca" indígena?"
Os Bispos brasileiros, na Campanha da Fraternidade do ano de 2002, convidaram todas as comunidades católicas a refletir sobre essa lenda guarani. A questão que eles puseram à Igreja e que foi assumida também pelas Igrejas cristãs que se unem à católica no CONIC (Conselho Nacional das Igrejas Cristãs) foi a seguinte: como caminhar juntos para uma terra sem males, partindo da situação de exílio em que vivem os povos indígenas do Brasil e da América Latina?
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