Por Reinaldo José Lopes
O jeito moderno de representar as histórias bíblicas do nascimento de Jesus normalmente as transforma em tocantes contos para crianças, mas é bastante possível que os primeiros cristãos as lessem como manifestos políticos, além de espirituais. Essa é a tese de um livro que acaba de chegar ao Brasil, escrito por dois especialistas nas origens do cristianismo, o americano Marcus Borg, da Universidade do Oregon (EUA), e o irlandês John Dominic Crossan, da Universidade DePaul (também nos Estados Unidos). O livro “O primeiro Natal – o que podemos aprender com o nascimento de Jesus” deixa em segundo plano as questões sobre os detalhes históricos da vinda de Cristo ao mundo. A intenção dos pesquisadores é descobrir o que os evangelistas Mateus e Lucas, autores das duas narrativas sobre a natividade (o nascimento de Jesus) que foram preservadas na Bíblia cristã, queriam expressar com seus textos. Para eles, o tema comum por trás das narrativas é a rejeição do projeto imperial de Roma, que dominava um quarto da população do planeta na época, em favor de um projeto alternativo para a humanidade, representado por Jesus e seu evangelho.
As histórias do primeiro Natal são, em geral, anti-imperiais. Em nosso contexto, isso significa afirmar, seguindo as histórias da natividade, que Jesus é o Filho de Deus (e o imperador não é), que Jesus é o Salvador do mundo (e o imperador não é), que Jesus é o Senhor (e o imperador não é), que Jesus é o caminho para a paz (e o imperador não é)”, escrevem os autores. Em resumo, dizem Borg e Crossan, as histórias da natividade provavelmente foram escritas para ser lidas como “histórias subversivas”, ou seja, cuja intenção era subverter as visões sobre a fé e a política que eram dominantes no mundo romano no século I d.C., mas que os cristãos queriam transformar. Com esse objetivo, os evangelistas parecem ter voltado o vocabulário e a retórica de seus opressores contra eles.
Teologia imperial
O pano de fundo para esse golpe de mestre cristão é, avaliam os pesquisadores, a chamada teologia imperial romana, que ganhou força com a chegada ao poder de Augusto, o primeiro imperador de Roma, que governou de 27 a.C. a 14 d.C. Como forma de reforçar o domínio romano sobre as vastas regiões do Império, Augusto e seus propagandistas (como o poeta Virgílio, autor do épico “A Eneida”) incentivaram a transformação do governante numa figura divina, cujo mando firme teria trazido a paz a todos os recantos do mundo (a chamada Pax Romana). A propaganda foi especialmente forte na parte oriental do Império Romano, onde já havia uma tradição de divinizar os governantes. Altares e templos foram construídos em honra do imperador; começaram a circular histórias de que sua mãe tinha sido engravidada por Apolo (deus greco-romano do Sol, da luz e da razão) na forma de uma serpente. Além disso, Augusto tinha sido adotado por Júlio César, outro governante romano que foi oficialmente declarado um deus, embora só depois da morte. Em suas proclamações políticas de cunho quase religioso, Augusto anunciava a “boa nova” da paz trazida por suas vitórias militares, usando o mesmo verbo grego que daria origem às palavras “evangelho” e “evangelizar” em português. Esse seria o primeiro exemplo claro de “empréstimo” por parte dos evangelistas, como forma de ressaltar que “a boa nova da paz” estava sendo trazida por Jesus e seus seguidores, e não pelo Império. Esse seria o significado do anúncio de “paz na terra” feito pelos anjos aos pastores de Belém no Evangelho de Lucas, argumentam Borg e Crossan.
Resistência
A origem judaica dos primeiros cristãos significava que eles jamais poderiam aceitar passivamente a transformação dos imperadores romanos em deuses (Augusto foi só o primeiro; seus seguidores, inicialmente membros de sua família, logo copiaram o exemplo). Além disso, eles viam Jesus como o cumprimento das promessas messiânicas feitas pelos profetas do Antigo Testamento. Com isso, a fé em Cristo também teria sido uma forma de afirmar a resistência pacífica contra a ideologia imperial romana. Um exemplo disso é a perseguição contra o menino Jesus encabeçada pelo rei Herodes no Evangelho de Mateus. Esse evangelista aparentemente escreveu sua narrativa para cristãos de origem judaica e retrata Jesus como o novo Moisés, que levaria à perfeição a Lei sagrada do judaísmo. Daí a história da matança dos bebês de Belém, ordenada por Herodes para tentar eliminar Cristo, e a fuga da Sagrada Família para o Egito, seguida de seu retorno após a morte de Herodes. Os pesquisadores argumentam que essa passagem não visa a descrever um evento histórico, mas sim ressaltar que Herodes, o rei apoiado pelos romanos, é como o faraó que ordenou a matança das crianças israelitas, da qual o pequeno Moisés escapou, segundo o livro bíblico do Êxodo. Já a Sagrada Família simbolizaria todo o povo de Israel, que precisou se fixar no Egito e depois voltou à Terra Prometida, desta vez trazendo o novo Moisés, Jesus. Da mesma forma, o Evangelho de Lucas aplica ao menino Jesus todos os adjetivos e títulos que a propaganda imperial atribui a Augusto e a seus sucessores, como “Salvador”, “Senhor”, e “Filho de Deus”, mas com uma diferença crucial. Lucas dá ênfase à mensagem do nascimento de Jesus transformando a vida dos oprimidos e marginalizados, como as mulheres (como Maria e Isabel, mãe de João Batista, que são as principais personagens de sua narrativa) e os pastores que testemunham o bebê divino na manjedoura. Para Borg e Crossan, a mensagem de Lucas é clara: o verdadeiro Filho de Deus não iria trazer a paz ao mundo com exércitos e construções grandiosas, como Augusto, mas por meio da justiça e do resgate dos excluídos. É nesse nível que as histórias do primeiro Natal ainda são relevantes para cristãos e não-cristãos, afirmam eles.
A origem judaica dos primeiros cristãos significava que eles jamais poderiam aceitar passivamente a transformação dos imperadores romanos em deuses (Augusto foi só o primeiro; seus seguidores, inicialmente membros de sua família, logo copiaram o exemplo). Além disso, eles viam Jesus como o cumprimento das promessas messiânicas feitas pelos profetas do Antigo Testamento. Com isso, a fé em Cristo também teria sido uma forma de afirmar a resistência pacífica contra a ideologia imperial romana. Um exemplo disso é a perseguição contra o menino Jesus encabeçada pelo rei Herodes no Evangelho de Mateus. Esse evangelista aparentemente escreveu sua narrativa para cristãos de origem judaica e retrata Jesus como o novo Moisés, que levaria à perfeição a Lei sagrada do judaísmo. Daí a história da matança dos bebês de Belém, ordenada por Herodes para tentar eliminar Cristo, e a fuga da Sagrada Família para o Egito, seguida de seu retorno após a morte de Herodes. Os pesquisadores argumentam que essa passagem não visa a descrever um evento histórico, mas sim ressaltar que Herodes, o rei apoiado pelos romanos, é como o faraó que ordenou a matança das crianças israelitas, da qual o pequeno Moisés escapou, segundo o livro bíblico do Êxodo. Já a Sagrada Família simbolizaria todo o povo de Israel, que precisou se fixar no Egito e depois voltou à Terra Prometida, desta vez trazendo o novo Moisés, Jesus. Da mesma forma, o Evangelho de Lucas aplica ao menino Jesus todos os adjetivos e títulos que a propaganda imperial atribui a Augusto e a seus sucessores, como “Salvador”, “Senhor”, e “Filho de Deus”, mas com uma diferença crucial. Lucas dá ênfase à mensagem do nascimento de Jesus transformando a vida dos oprimidos e marginalizados, como as mulheres (como Maria e Isabel, mãe de João Batista, que são as principais personagens de sua narrativa) e os pastores que testemunham o bebê divino na manjedoura. Para Borg e Crossan, a mensagem de Lucas é clara: o verdadeiro Filho de Deus não iria trazer a paz ao mundo com exércitos e construções grandiosas, como Augusto, mas por meio da justiça e do resgate dos excluídos. É nesse nível que as histórias do primeiro Natal ainda são relevantes para cristãos e não-cristãos, afirmam eles.
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