domingo, 24 de agosto de 2008

Uma Nova Igreja Para Uma Nova Realidade - Considerações Sobre o Desfoque da Eclesiologia Contemporânea

Por Wanderley Rosa
Das várias criativas idéias de Deus, uma das que mais me impressiona é a da Sua presença em meio à humanidade através da vida daqueles que se chamam cristãos. Paulo mandou bem ao comparar estas pessoas com um corpo humano que, como tal, está em constante movimento – interno e externo – é um organismo vivo, dinâmico, que se atualiza, que se renova. De fato, este mesmo corpo também envelhece e morre, mas misticamente, de novo tornará a nascer e se renovar. Nele não há nada de estático, nada hermético, nada atrofiado...A turma lá do início entendeu bem isto. Mesmo em meio as ferozes perseguições, primeiro dos judeus depois dos romanos, o pessoal se organizou e enfrentou a situação. Houve mobilização, estratégia e percepção histórica incrivelmente lúcida. É verdade também que, com o passar do tempo, algumas alianças que esta igreja fez roubou seus melhores momentos – como no caso da boa parte que embarcou alegremente no trem do Constantino.Enquanto houve inserção cultural (qualquer cultura) desprovida de preconceitos aliada a uma dissidência caracterizada por repúdio ao poder e ao status quo (religioso ou político) aí encontramos uma comunidade (ou indivíduos) alegre, relevante, sadia e impactante. Assim foi no caso de Jesus que se recusou a ceder aos apelos belicistas e ufanistas de seus discípulos e preferiu pagar o preço de percorrer um caminho de fraqueza que possibilita um outro tipo de poder. Jesus foi um fracasso do ponto de vista humano. Além disso, sua inserção cultural era tão intensa que quando ele quis se esconder daqueles que o perseguiam, bastou se misturar à multidão. Ele era tão igual que Judas precisou beijá-lo para identificá-lo para os guardas que foram prendê-lo. É isso: Jesus era um igual. Manjava da moda. Conhecia a agenda dos seus dias. Sabia sobre os eventos. Estava por dentro das notícias.Eu sei que quanto mais passa a nossa vida, mais difícil fica para nos abrirmos e apreendermos novas idéias. É por isso que as crianças aprendem tão rápido. Elas absorvem as idéias e os fatos com a mente totalmente aberta, sem resistências. Mas com o tempo viramos “burro velho”...Fico cheio de esperança com a moçada. Fico imaginando que amanhã os líderes e fazedores de opinião de nossas igrejas serão a moçada que está aí hoje já dando sua contribuição. Mas há um desconforto dentro de mim. Há tempos perdi minhas ilusões. Esperança sim, ilusão não. Temo duas coisas: primeiro que a moçada de hoje, rebelde, revolucionária, independente, contestadora, cheia de ideais, vire “burro velho” e empaque em conceitos e posturas fundamentalistas e ultrapassadas. Meu segundo temor é que eu esteja errado nisto também. Que esta moçada não seja tão rebelde, revolucionária, independente, contestadora e cheia de ideais assim. Aí, o problema é que não se vão apenas as ilusões, vão se embora também as esperanças...Temo que quase ninguém em nossas igrejas conheça o belíssimo som feito pela banda Casaca, garotos prodígios do nosso Estado. Fui no show de lançamento do CD deles no Álvares. Foi emocionante. Deus estava ali também e não apenas nos shows evangélicos...Temo que a maioria da turma não tenha ido ver “Cidade de Deus” por ouvir falar que tem muito palavrão. Fui duas vezes. Na segunda levei minha mãe. Ultimamente, tenho visto poucos filmes tão humanos quanto este. Temo que o pessoal nem saiba do que se trata “Cidade de Deus”. Aliás, olha aí Deus outra vez...Temo que boa parte da juventude só ouça CD evangélico (ouça o som do Casaca, ou do Cramberries, ou Red Hot), só leia livro evangélico (leia Hiroshima relançado recentemente pela Companhia das Letras), só saia com evangélico (experimente sair de vez em quando com a turma do trabalho também)...Temo que nossa inserção esteja desfocada. Em nome de uma suposta espiritualidade, somos brega demais nas nossas roupas, nas nossas músicas, nos lugares que freqüentamos, no nosso jeito de ser. Nossas defesas mais apaixonadas, na maioria das vezes, são totalmente despropositadas, como por exemplo discutir a influência satânica do Harry Potter sobre nossas crianças. Até minha filha de 9 anos riu de tamanha bobagem.E para defender estas coisas que estão aí acima, cintam-se textos e mais textos fazendo uma hermenêutica paupérrima que não tem nenhum compromisso com a verdade do texto. Mas acredita-se que se está defendendo as “causas cristãs”.Se não conseguimos acertar o foco em coisas tão pequenas, o que dizer acerca de nossa visão das questões políticas, sociais e mundiais dos nossos dias. Apenas para exemplificar, vi a defesa apaixonada, por parte de muitos do candidato Garotinho para a Presidência só porque ele é evangélico. Vai se dizer que não é só porque ele é evangélico, mas sabemos que é por causa disso sim. Vai se dizer que a esposa dele ganhou no Rio e isto é prova suficiente do grande trabalho que ele fez lá. Mas isto não prova nada. Até o Jader Barbalho foi eleito... Não digo que o Garotinho não seria um bom Presidente. Até porque nem conheço bem o trabalho que ele fez no Rio. Só sei que não posso votar em alguém crendo que ele será um bom líder para a nação só porque supostamente todas as manhãs ele irá orar buscando o Senhor. Primeiro por que eu não sei se ele ora todas as manhãs e, segundo, porque mesmo que ore, a oração não fará necessariamente dele um grande Presidente. Certamente poderá torná-lo um bom cristão. Ser evangélico não pode ser critério, pois, se fosse, este ser disforme e equivocado que comanda o bando que ocupa a Casa Branca atualmente (ele é metodista – resgatado do poder do alcoolismo) não seria o grande Homem-Bomba do Bin Laden. O seu pai (episcopal) não teria liderado o massacre de 130 mil civis iraquianos na guerra do golfo. O protestante Nixon não teria matado 100 mil cambojanos através dos bombardeios que ordenou. E por aí vai. Mas, como disse um amigo meu, não sem antes lerem a Bíblia e orarem na abertura de cada reunião de cúpula.Invertemos as coisas, Jesus não quis o poder, mas se inseriu na cultura. Nós não queremos a inserção na cultura, mas queremos o poder.Mas quem sabe. Quem sabe não seja preciso perder com as ilusões também as esperanças. Quem sabe veremos o dia em que a igreja vai perder o medo de se misturar com receio de perder o seu sabor. Não é para sermos sal ? Quem sabe um dia esta igreja vai perceber marcas de Deus também naqueles que não estão caminhando com o “nosso” grupo. Quem sabe um dia levaremos a sério a famosa frase dos reformadores “igreja reformada, sempre buscando reforma”. Quem sabe um dia vamos parar de fingir, de brincar de seres espirituais, quase desencarnados, de brincar de anjos, quase alados, e vamos nos tornar uma igreja verdadeiramente humana. Uma igreja que paga o preço de ser humana e se assume assim, com todos os seus defeitos e contradições. Aliás, me parece que este é um dos propósitos da encarnação de Jesus, não nos tornar seres espirituais, mas tornar-nos mais humanos...
Wanderley Pereira da Rosa é formado em Teologia, Filosofia e aperfeiçoamento em Psicanálise e é diretor da Faculdade Teológica Unida.

Um comentário:

  1. Muito bom o blog, realmente muito instruitivo, vou passar o endereço adiante.
    faculdade evangelica

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