Por Philip Yancey
O Escândalo do perdão confrinta qualquer pessoa que concorde com um cessar-fogo moral apenas porque alguém diz: "Sinto muito". Quando me sinto ofendido, posso imaginar uma centena de motivos contra o perdão. Ele precisa aprender uma lição. Não quero incentivar o comportamento irresponsável. Vou deixá-la em banho-maria por um tempo; vai-lhe fazer bem. Ela precisa aprender que suas atitudes têm consequências. Fui ofendido - não preciso dar o primeiro passo. Como posso perdoar se ele nem mesmo está arrependido. Eu controlo meus argumentos até que aconteça alguma coisa que derrube a minha resistência. Quando, finalmente, amoleço a ponto de conceder o perdão, isso parece uma capitulação, um salto da lógica fria para um sentimento piegas.
Posso identificar pelo menos três motivos pragmáticos, e quando mais penso nesses motivos para o perdão, mais reconheço neles uma lógica que parece fundamental, e não apenas "difícil".
Primeiro, o perdão é a única alternativa que pode deter o ciclo da culpa e da dor, interrompendo a cadeia da ausência de graça. No NT, a palavra grega mais comum utilizada para o perdão significa, literalmente, soltar, jogar para longe, libertar-se.
Prontamente admito que o perdão é injusto. O hinduísmo, com sua doutrina do karma, mostra um senso muito mais gratificante de justiça. Os mestres hindus calcularam com precisão matemáticamente quanto tempo leva para que seja feita a justiça a uma pessoa: a fim de equilibrar o castigo por todos os meus erros nesta vida e nas vidas futuras, 6.800.000 encarnações seriam suficientes.
A palavra ressentimento expresa o que acontece se o ciclo continua initerrupto. Ela significa, literalmente, "sentir de novo": o ressentimento apega-se ao passado, libera-o muitas vezes, arranca cada nova casca, de modo que a ferida nunca sara. Este padrão, sem dúvida, começou com o primeiro casal na terra. "Pense em todas as altercações que Adão e Eva devem ter tido no decorrer de seus novecentos anos", escreveu Martinho Lutero. "Eva diria: Você comeu a maçã, e Adão replicaria: Você a deu para mim."
Em suas memórias de uma família realmente desarranjada, The Liar's club ( O clube dos mentirosos), Mary Karr conta a história de um tio do Texas que continuou casado, mas não falava com a esposa quarenta anos, desde uma briga por causa do quanto ela gastava com açúcar. Um dia ele pegou uma serra e dividiu sua casa exatamente ao meio. Pregou tábuas nos lados cortados pela serra e empurrou uma das metades para trás de um bosque de pinheiros no mesmo terreno. São dois, marido e mulher, vivendo o resto de sues dias em casas separadas.
O perdão oferece uma saída. Ele não resolve todas as questões da culpa e da justiça - com frequência claramente foge desses questões - mas permite um relacionamento renovado, que começa outra vez. Desse modo, disse Solzhenitsyn, nós diferimos de todos os animais. Não é a nossa capacidade de pensar, mas a nossa capacidade de nos arrependermos e perdoar que nos torna diferentes. Apenas seres humanos podem realizar esse ato antinatural, que transcende a implacável lei da natureza. Se não transcendemos a natureza, continuamos amarrados a pessoas que não podemos perdoar, presos em suas garras apertadas. Este princípio se aplica até mesmo quando uma das partes é totalmente inocente e a outra, totalmente culpada, pois a parte inocente vai carregar a ferida até que consiga encontrar um caminho para receber alívio. E o perdão é o único caminho.
O segundo grande poder do perdão é que ele pode aliviar a força da culpa no perpetrador, ele dá possibilidade de transformação â parte culpada. Lewies Smedes detalha este processo de "cirurgia espiritual": Quando você perdoa alguém, você secciona o erro da pessoa que o cometeu. Você separa essa pessoa do ato ruim. Você a recria. Em um momento você a identifica radicalmente como a pessoa que errou contra você. Antes você a considerava como uma pessoa que o feriu, mas, sim, como a pessoa que precisa de você. Você não a sente agora como a pessoa que se alineou de você, mas, sim como a pessoa que pertence a você. Antes você a considerava como fraca em suas necessidades. Você recriou o passado dela refazendo-a numa pessoa cujo erro tornou o seu passado doloroso.
Smedes acrescenta muitas advertências. Perdão não é o mesmo que indulto, ele adverte: você pode perdoar uma pessoa que errou contra você e, ainda assim, insistir em um castigo justo para esse erro. Mas, se você consegue obrigar-se a perdoar, você irá liberar o poder de cura tanto em você como na pessoa que o ofendeu.
O perdão não merecido, não adquirido pode cortar as cordas e soltar o fardo opressivo da culpa. O NT mostra Jesus ressurreto levando Pedro pela mão através de um ritual triplo de perdão. Pedro não precisava andar pela vida culpado, de olhos baixos como quem traiu o Filho de Deus. Definitivamente não. Sobre as costas de tais pecadores transformados Cristo edificou a sua igreja.
O terceiro é que o perdão quebra o ciclo da culpa e afrouxa a força opressora do pecado. Realiza as duas coisas por meio de uma notável ligação, colocando o perdoador do mesmo lado de quem cometeu o erro. Por meio disso, percebemos que não somos tão diferentes do culpado como gostaríamos de pensar. "Eu também sou diferente de que eu mesma me imagino. Saber disto é perdoar", disse Simone Weil.
Em The Art of Forgiving ( A arte de perdoar), Lewis Smedes faz a notável observação de que a Bíblia descreve Deus passando por estágios progressivos quando perdoa, assim como nós, os seres humanos. Primeiro, Deus redescobre a humanidadeda pessoa que pecou contra Ele, removendo a barreira criada pelo pecado. Segundo, Deus descarta o seu direito de vingança, preferindo, em.ugar disso, assumir o preço em seu próprio corpo. Finalmente, Deus examina de novo os ses sentimentos para conosco, decobrindo um jeito de "justificar-nos" para que, ao olhar para nós, veja seus próprios filhos adotivos com a sua imagem divina restaurada.
Jesus orou, contemplando o preço que deveria pagar em nosso favor, e o suor pingou dele em gotas de sangue. Não havia outro meio. Finalmente, em uma de suas últimas declarações antes de morrer, Ele disse: "perdoe-lhes" - a tosos eles, aos soldados romanos, aos líderes religiosos, aos discípulos que fugiram nas trevas, a você, a mim - "perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem". Apenas tornando-se um ser humano o Filho de Deus poderia realmente dizer: "Não sabem o que fazem". Tendo morado entre nós, Ele agora compreendia!
Todos os estudos foram retirados do livro:
YANCEY,Philip. Maravilhosa graça. São paulo: Vida, 2000.
Próximo estudo: C.S.Lewis e seus pensamentos
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